João Anzanello Carrascoza (novaescola@atleitor.com.br)
Ilustração: Alarcão
Há muito e muito tempo, vivia sobre uma
planície de nuvens uma tribo muito feliz. Como não havia solo para
plantar, só um emaranhado de fios branquinhos e fofos como algodão-doce,
as pessoas se alimentavam da carne de aves abatidas com flechas, que
faziam amarrando em feixe uma porção dos fios que formavam o chão. De
vez em quando, o chão dava umas sacudidelas, a planície inteira
corcoveava e diminuía de tamanho, como se alguém abocanhasse parte
dela.
Certa vez, tentando alvejar uma ave, um caçador errou a pontaria e a
flecha se cravou no chão. Ao arrancá-la, ele viu que se abrira uma
fenda, através da qual pôde ver que lá embaixo havia outro mundo.
Espantado, o caçador tampou o buraco e foi embora. Não contou sua descoberta a ninguém.
Na manhã seguinte, voltou ao local da passagem, trançou uma longa corda
com os fios do chão e desceu até o outro mundo. Foi parar no meio de
uma aldeia onde uma linda índia lhe deu as boas-vindas, tão surpresa em
vê-lo descer do céu quanto ele de encontrar criatura tão bela e amável.
Conversaram longo tempo e o caçador soube que a região onde ele vivia
era conhecida por ela e seu povo como "o mundo das nuvens", formado
pelas águas que evaporavam dos rios, lagos e oceanos da terra. As águas
caíam de volta como uma cortina líquida, que eles chamavam de chuva.
"Vai ver, é por isso que o chão lá de cima treme e encolhe", ele
pensou. Ao fim da tarde, o caçador despediu-se da moça, agarrou-se à
corda e subiu de volta para casa. Dali em diante, todos os dias ele
escapava para encontrar-se com a jovem. Ela descreveu
para ele os animais ferozes que havia lá embaixo. Ele disse a ela que lá no alto as coisas materiais não tinham valor nenhum.
Um dia, a jovem deu ao caçador um cristal que havia achado perto de uma
cachoeira. E pediu para visitar o mundo dele. O rapaz a ajudou a subir
pela corda. Mal tinham chegado lá nas alturas, descobriram que haviam
sido seguidos pelos parentes dela, curiosos para ver como se vivia tão
perto do céu.
Foram todos recebidos com uma grande festa, que selou a amizade entre
as duas nações. A partir de então, começou um grande sobe-e-desce entre
céu e terra. A corda não resistiu a tanto trânsito e se partiu. Uma
larga escada foi então construída e o movimento se tornou ainda mais
intenso. O povo lá de baixo, indo a toda a hora divertir-se nas nuvens,
deixou de lavrar a terra e de cuidar do gado. Os habitantes lá de cima
pararam de caçar pássaros e começaram a se apegar às coisas que as
pessoas de baixo lhes levavam de presente ou que eles mesmos desciam
para buscar.
Vendo a desarmonia instalar-se entre sua gente, o caçador destruiu a
escada e fechou a passagem entre os dois mundos. Aos poucos, as coisas
foram voltando ao normal, tanto na terra como nas nuvens. Mas a jovem
índia, que ficara lá em cima com seu amado, tinha saudade de sua família
e de seu mundo Sem poder vê-los, começou a ficar cada vez mais triste.
Aborrecido, o caçador fazia tudo para alegrá-la. Só não concordava em
reabrir a comunicação entre os dois mundos: o sobe-e-desce recomeçaria e
a sobrevivência de todos estaria ameaçada.
Certa tarde, o caçador brincava com o cristal que ganhara da mulher.
As nuvens começaram a sacudir sob seus pés, sinal de que lá embaixo
estava chovendo. De repente, um raio de sol passou pelo cristal e se
abriu num maravilhoso arco-íris que ligava o céu e a terra. Trocando o
cristal de uma mão para outra, o rapaz viu que o arco-íris mudava de
lugar.
- Iuupii! - gritou ele. - Descobri a solução para meus problemas!
Daquele dia em diante, quando aparecia o sol depois da chuva, sua jovem
mulher escorregava pelo arco-íris abaixo e ia matar a saudade de sua
gente. Se alguém lá de baixo se metia a querer visitar o mundo das
nuvens, o caçador mudava a posição do cristal e o arco-íris saltava para
outro lado. Até hoje, ele só permite a subida de sua amada. Que
sempre volta, feliz, para seus braços.
Lenda indígena recontada por João Anzanello Carrascoza, ilustrada por Alarcão
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