quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Análise do livro Vidas Secas de Graciliano Ramos

 

                                                 Resumo

O livro retrata a vida de pessoas que vivem no sertão brasileiro e o sacrifício delas para sobreviver. Tendo como tema a luta pela sobrevivência diante do flagelo da estiagem, o autor traz em seus personagens muito da alma nordestina nos traços de Fabiano e sua família.

Foi publicado em 1938 e aborda a problemática da seca e da opressão social no Nordeste do Brasil. Ao contrário dos romances anteriores, é uma narrativa em terceira pessoa, com o discurso indireto livre predominante, com a finalidade de penetrar no mundo introspectivo dos personagens já que esses não têm o domínio da linguagem necessária para estabelecer a comunicação.

O romance tem um caráter fragmentário. São "quadros", episódios que acabam se interligando com uma certa autonomia. Como coloca o crítico Affonso Romano de Sant'Anna: "Estamos sem dúvida, diante de uma obra singular onde os personagens não passam de figurantes, onde a história é secundária e onde o próprio arranjo dos capítulos do livro obedece a um critério aleatório".

Os principais personagens são: Fabiano, Sinhá Vitória, Menino mais Velho, Menino mais Novo, a cachorra (Baleia) , o papagaio, que a família come para aliviar a fome, e o soldado amarelo, que simboliza o poder do governo.
 


Fabiano, Sinha Vitória, o menino mais velho, o menino mais novo e a cachorra Baleia são os protagonistas do romance Vidas Secas – narrativa dos sertanejos retirantes da seca e seus dramas sociais, publicado por Graciliano Ramos em 1938.

O casal, Fabiano e Sinha Vitória, representa o núcleo da trama: Fabiano mantém-se fiel a seus hábitos de Vaqueiro - é uma extensão do animal, totalmente adaptado ao cavalo e à roupa de couro. No lado oposto, Sinha Vitória – que também guarda o poder de adaptação às piores condições materiais, mas vive enaltecendo uma figura, para ela exemplar, o seu Tomás da bolandeira, um homem que sabia ler e tinha uma cama de couro.

Fabiano é uma pessoa que se ligou de maneira visceral ao meio. Ele se orgulha de sobreviver à Seca e de fazer parte de uma paisagem que só admite os mais resistentes: ora exalta-se com secreta satisfação: ”Fabiano, você é um homem”; ora, se reconhece como a um animal: “Você é um bicho, Fabiano”, e o orgulho logo passa para a dúvida - quando pensa ser uma coisa da fazenda, um traste que possui apenas as perneiras, o gibão, o guarda-peito e o sapato de couro cru que, ao ser demitido, seria do vaqueiro que o substituísse.

Vaqueiro, rude, curto das ideias, sem instrução e sem capacidade de entendimento, Fabiano não tem planos e vive a procura de trabalho. Bebe muito e perde dinheiro no jogo. Sua auto-imagem varia de acordo com a situação e seu ânimo diante da dificuldade: quando se reconhece um homem e sente orgulho, Fabiano é a afirmação do indivíduo que se sobrepõe às dificuldades. Quando se reconhece um animal, ganha relevância o ser impessoal de existência desumana. Ao avistar Baleia – num momento de comunhão, envolvido na tragédia de pertencer à mesma realidade do animal, Fabiano conclui: “Você é um bicho, Baleia”.

Fabiano tenta, mas não consegue se comunicar. Como os animais, a família de Fabiano praticamente não tinha linguagem. Contando apenas com o instinto de sobrevivência, ele – um cabra vermelho, curtido pelo sol, é vencido por um soldado raquítico que desafia-o para uma partida de baralho. Humilhado, Fabiano chega a ser preso e não consegue se defender: a fragilidade de linguagem impede a possibilidade de divulgar a injustiça que sofrera e ele lamenta viver como um bicho, sem ter frequentado a escola.

Sinha Vitória, mulher de Fabiano, vive sua sina, sempre atenta aos sinais, estremece lembrando-se da seca, mas logo afasta a recordação, temendo que ela se realize, e reza baixinho. Esperta, sabe fazer conta, previne o marido sobre os trapaceiros e enganadores. Tem consciência da condição em que vivem, mas também tem planos e sonha. O maior dos seus sonhos é ter uma cama de couro, igual àquela de seu Tomás da bolandeira. Para o marido, um sonho impossível. "Cambembes podiam ter luxo?"
Além de cuidar dos filhos e da tapera, Sinha Vitória ajuda o marido nas tarefas.

Trabalha duro e, às vezes fica brava e briga com o marido, reclamando daquela vida embrutecida, sem ter sequer uma cama para dormir. "Pensou de novo na cama de varas e mentalmente xingou Fabiano. Dormiam naquilo, tinham-se acostumado, mas seria mais agradável dormirem numa cama de lastro de couro, como outras pessoas." Briga com o marido, reclama que ele gasta muito com jogo e cachaça. Ressentido, Fabiano condena os sapatos de verniz que ela usava nas festas, "caros e inúteis" que a deixavam trôpega.

Por fim, quando nova seca se anuncia, Sinha Vitória impele Fabiano a pensar no destino da família e, fazendo uma leitura da realidade, diz que os pássaros de arribação vão matar o gado. O marido fica intrigado. Como criaturas pequenas podem destruir animais como os bois, tão fortes quanto ele? Tentando impor o seu mundo até o fim, diz que os meninos iriam vaquejar como ele. Sinha Vitória explode: "Nossa Senhora os livrasse de semelhante desgraça. Vaquejar, que ideia! Chegariam a uma terra distante, (...) adorariam costumes diferentes".

No final, o desejo "vitorioso" de Sinha Vitória: rumo à cidade grande, Fabiano imagina as dificuldades pelas quais passarão, mas também pensa os "meninos na escola, aprendendo coisas difíceis e necessárias".

Fabiano acha que eles devem assumir a forma de tatu – animal integrado à terra, com casco duro, protetor. Sinha Vitória sonha com uma vida melhor para os filhos – possibilidade distante da identidade animal do marido, e pensa no homem que sabia ler e tinha uma cama de couro, mas que foi vencido pela seca. Queria para os filhos uma terra distante, um outro jeito de ser, outros costumes.

O menino mais novo admira os hábitos do pai quando ele cavalga totalmente adaptado ao cavalo - qual uma figura lendária, e tenta imitá-lo, absorvendo um pouco daquela grandeza que os tirava da vida resignada que levavam.

O menino mais velho, ao contrário, a vida de vaqueiro não o fascina. Ele deseja descobrir o sentido das palavras e recorre à mãe – porção mais “intelectual” da família, que frequentemente o afasta, por não ter explicações para dar.

Os dois meninos, anônimos, vivem a brincar com Baleia em redor da tapera. Raramente procuram os pais, por receio de tomarem cascudos.

A primeira visita dos meninos à vila foi durante uma festa. Eles se assustaram com a variedade de coisas que existia no comércio bem sortido. Deslumbrados com a possibilidade de tudo aquilo ter um nome, uma existência. A dúvida do menino mais novo é se as coisas tinham nome e se os nomes eram uma criação humana ou divina.

Ao serem excluídos da posse de objetos, os meninos são também excluídos da posse das palavras que os representam. Esta a maior pobreza, a falta da linguagem, por limitar as crianças a um mundo sem ultrapassagem pela imaginação.

Trepado na porteira do curral, o menino mais novo observa o pai tentando dominar uma égua brava. Feliz, planeja fazer algo grandioso um dia, quando crescer. Assim, então, seria admirado pelo irmão e por Baleia.

O menino mais velho é curioso. Ao ouvir a palavra "inferno", durante uma conversa de Sinhá Terta com a mãe, quis saber o significado. Sinha Vitória referiu-se vagamente a um certo lugar ruim. O menino não compreende como uma palavra tão bonita pode significar "coisa ruim". Pergunta ao pai, que o repele. De novo, insiste com a mãe que, zangada, aplica-lhe um cocorote. 

O menino mais velho não se conforma. Indignado, se consola com a amiga Baleia: "O pequeno sentou-se, acomodou nas pernas a cabeça da cachorra, pôs-se a contar-lhe baixinho uma história". Melancólico, e apesar do vocabulário limitado, o menino mais velho se abraça à Baleia e fala do mundo, das estrelas, do céu e do inferno.

A cachorra Baleia é um membro da família. O nome "Baleia" é uma espécie de alusão à morte da cachorra. Pois Graciliano pretendia a morte dela desde o começo (o capítulo de sua morte era um conto): Uma baleia no sertão morreria.

A cachorra não é humanizada, como é popularmente divulgado. A grande mestria de Graciliano, foi colocar um cão agindo inteiramente como um cão. Em meio àquela família bruta do sertão, o cão parece ser mais sensível. Por isso subvertem uma possível antropomorfização da cachorra.

No inverno, é quando a família experimenta algum aconchego, reunidos em torno do fogo: Fabiano sentado no pilão, Sinha Vitória acolhe os meninos no colo, e a cachorra Baleia "com o traseiro no chão e o resto do corpo levantado, olhava as brasas que se cobriam de cinzas".

Ao ser sacrificada, por suspeita de hidrofobia, Baleia vislumbra o "céu dos cachorros, cheio de preás".

 Estrutura

No que diz respeito à estrutura, o livro apresenta treze capítulos, dentre os quais alguns podem até ser lidos em outra ordem (romance desmontável), que não a impressa no livro. Entretanto, alguns capítulos, como o primeiro, "mudança", e o último, "fuga", devem ser lidos nesta ordem. Esses dois capítulos reforçam a ideia de que toda a miséria que circunda os personagens de "Vidas Secas" representa um ciclo, em que, quando menos se espera, a situação se agrava e a família é obrigada a se retirar, repetidas e repetidas vezes.

A obra de Graciliano pode ser considerada um marco para a literatura brasileira, em especial o Modernismo Brasileiro, visto que há a implícita (e, em alguns casos, até explícita) crítica social a toda pobreza no sertão nordestino, que atinge uma boa parcela da população, e que, de fato, acaba por prejudicar todo o país, impedindo maiores desenvolvimentos. Há a tentativa, portanto, de se mostrar a desarticulação dessa região com o resto do país (um Brasil pobre dentro de todo o Brasil).

O próprio título da obra, se analisado corretamente, nos dará pistas importantes da mensagem que Graciliano quer passar: "Vidas" se opõe a "Secas" pois a primeira tem sentido de abundância, enquanto, a segunda, de vazio, de falta, configurando um paradoxo (ou "oxímoro", oposição de ideias resultando em uma construção de sentido ilógico). Além disso, denotativamente, o adjetivo "secas" se refere a "vidas", e, dessa forma, teria o sentido de que a família sofre com a seca. Por outro lado, conotativamente, pode-se relacionar aquele adjetivo a uma vida privada, miserável.

Baleia

A cachorra Baleia é um membro da família. Pensa, sonha e age como gente. Solidária, Baleia participa das aventuras e dificuldades da família de retirantes; chega a se contentar, mesmo que faminta, apenas com os ossos de sua caça.

Aproximada a seres que vivem como bichos, a cachorra é humanizada. No inverno, é quando a família experimenta algum aconchego, reunidos em torno do fogo: Fabiano sentado no pilão, Sinhá Vitória acolhe os meninos no colo, e a cachorra Baleia "com o traseiro no chão e o resto do corpo levantado, olhava as brasas que se cobriam de cinzas".

Ao ser sacrificada, por suspeita de raiva, Baleia vislumbra o "céu dos cachorros, cheio de preás".

sobre o autor-Graciliano Ramos

 Graciliano Ramos nasceu em 1892, em Quebrângulo, Alagoas. Dois anos depois se mudou com a família para a Fazenda Pintadinho, em Buíque, sertão de Pernambuco, onde permaneceu até 1899. Em 1905 se mudou para Maceió, onde estudou por um ano no tradicional Colégio Quinze de Março. Quando retornou àquela cidade fez o segundo grau, mas não cursou faculdade. Em 1914 foi ao Rio de Janeiro, onde pôde intensificar sua carreira jornalística. 

Depois de um ano retornou a Palmeira dos Índios, pois soubera que seus três irmãos haviam morrido em decorrência da febre bubônica. Lá se tornou comerciante, deu continuidade à carreira de jornalista e ingressou na política. Tornou-se prefeito e exerceu mandato por dois anos (1928-1930).

Em 1933 retornou a Maceió para ocupar o cargo de diretor da Instituição Pública de Alagoas, conhecendo então Rachel de Queiroz, José Lins do Rego e Jorge Amado. Em 1936, sob a acusação de ser subversivo, foi preso pela ditadura Vargas, sofrendo horrendas humilhações – experiências reveladas em sua obra “Memórias do Cárcere”.

Em 1945, depois de libertado, fixou-se no Rio de Janeiro e não mais voltou ao Nordeste, época então que se consagrou como um dos maiores romancistas brasileiros, considerados por muitos o sucessor de Machado de Assis. Nesse mesmo período filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro. Com câncer, faleceu em 1953, cercado de muitos amigos e muitas homenagens.

Firmados todos esses pressupostos biográficos, passemos agora a compreender seu perfil artístico, bem como as características que nortearam a época em questão.

A segunda fase modernista, também chamada de geração de 1930 (prosa) consolidou ainda mais as ideias promulgadas pela primeira fase. Tal geração abordou as causas sociais de forma veemente, como uma espécie de denúncia, de crítica social, frente à realidade social brasileira, tendo a seca nordestina como alvo. Por tal razão, essa fase foi considerada neorrealista, uma vez que retomou a observação que o homem estabelece com o meio em que vive, não sendo mais um produto da raça, do meio e do momento, ao gosto do Determinismo, mas um ser humano que vive em conflito consigo mesmo.
 
Esses propósitos foram oriundos dos posicionamentos ideológicos desses artistas, que tão bem souberam representar o cenário artístico daquela época. Além disso, também houve reflexos políticos de toda ordem, sobretudo em se tratando da revolta oligárquica, que, após a derrota de Luís Carlos Prestes e a ascensão de Getúlio Vargas, desembocou na instauração da ditadura do Estado Novo.

Como ressaltado anteriormente, Graciliano Ramos, assim como tantos outros, foi vítima dos mandos e desmandos ditatoriais que assolaram o país naquela época. Assim, por meio de seu romance “Vidas Secas”, esse nobre autor descreveu de forma magistral sua indignação diante da condição de miséria em que viviam os retirantes nordestinos. Dessa forma, quando analisamos o nome que dera aos personagens da obra em questão (Sinhá Vitória, sua mulher, a cachorra Baleia, o filho mais novo e o mais velho), constatamos que ele, de forma irreverente e irônica, denunciou todo o contexto natural e social ao mesmo tempo. Vejamos, pois, um fragmento, para constatarmos tal fato:
[...]
Os meninos sumiam-se numa curva do caminho. Fabiano adiantou-se para alcançá-los. Era preciso aproveitar a disposição deles, deixar que andassem à vontade. Sinha Vitória acompanhou o marido, chegou-se aos filhos. Dobrando o cotovelo da estrada, Fabiano sentia distanciar-se um pouco dos lugares onde tinha vivido alguns anos; o patrão, o soldado amarelo e a cachorra Baleia esmoreceram no seu espírito.

E a conversa recomeçou. Agora Fabiano estava meio otimista. Endireitou o saco da comida, examinou o rosto carnudo e as pernas grossas da mulher. Bem. Desejou fumar. Como segurava a boca do saco e a coronha da espingarda, não pôde realizar o desejo. Temeu arriar, não prosseguir na caminhada. Continuou a tagarelar, agitando a cabeça para afugentar uma nuvem que, vista de perto, escondia o patrão, o soldado amarelo e a cachorra Baleia. Os pés calosos, duros como cascos, metidos em alpercatas novas, caminhariam meses. Ou não caminhariam? Sinha Vitória achou que sim. [...] Por que haveriam de ser sempre desgraçados, fugindo no mato como bichos?

Com certeza existiam no mundo coisas extraordinárias. Podiam viver escondidos, como bichos?

Fabiano respondeu que não podiam.

–– O mundo é grande.

Realmente para eles era bem pequeno, mas afirmavam que era grande –– e marchavam, meio confiados, meio inquietos. Olharam os meninos que olhavam os montes distantes, onde havia seres misteriosos. Em que estariam pensando? zumbiu sinha Vitória. Fabiano estranhou a pergunta e rosnou uma objeção. Menino é bicho miúdo, não pensa. Mas sinha Vitória renovou a pergunta –– e a certeza do marido abalou-se. Ela devia ter razão. Tinha sempre razão. Agora desejava saber que iriam fazer os filhos quando crescessem.

–– Vaquejar, opinou Fabiano.

Sinha Vitória, com uma careta enjoada, balançou a cabeça negativamente, arriscando-se a derrubar o baú de folha. Nossa Senhora os livrasse de semelhante desgraça. Vaquejar, que ideia!
Chegariam a uma terra distante, esqueceriam a catinga onde havia montes baixos, cascalhos, rios secos, espinhos, urubus, bichos morrendo, gente morrendo. Não voltariam nunca mais, resistiriam à saudade que ataca os sertanejos na mata. Então eles eram bois para morrer tristes por falta de espinhos? Fixar-se-iam muito longe, adotariam costumes diferentes.

RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Rio de Janeiro: Record, 1996. p. 120-122.

Graciliano também criou o romance “São Bernardo”. Por meio do personagem Paulo Honório, revelou-se como um autêntico indignado e soltou a voz no sentido de denunciar os infortúnios que a vida lhe causara, principalmente demonstrando que o protagonista era um ser que subjugava todos à sua volta. Além dessas obras já citadas, citamos também, como fruto de seu talento artístico, Caetés (1933), Angústia (1936), Infância (1945), Insônia (1947) e Viagem (1954).
 
 Fonte da biografia:

http://www.brasilescola.com/literatura/graciliano-ramos.htm

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