quarta-feira, 24 de abril de 2013

Textos de memórias literárias-Por parte de pai

Trecho  do texto: Por parte de pai

Minha cama ficava no fundo do quarto. Pelas frestas da janela soprava um vento resmungando, cochichando, esfriando meus pensamentos, anunciando fantasmas. As roupas, dependuradas em cabides na parede, se transfiguravam em monstros e sombras. Deitado, enrolado, parado imóvel, eu lia recado em cada mancha, em cada dobra, em cada sinal. O barulho do colchão de palha me arranhava. O escuro apertava minha garganta, roubava meu ar. O fio da luz terminava amarrado na cabeceira do catre. O medo assim maior do que o quarto me levava a apertar a pera de galalite e acender a luz, enfeitada com papel crepom. O claro me devolvia as coisas em seus tamanhos verdadeiros. O nariz do monstro era o cabo do guarda-chuva, o rabo do demônio o cinto do meu avô, o gigante, a capa “Ideal” cinza para os dias de chuva e frio. Então, procurava distrair meu pavor decifrando os escritos na parede, no canto da cama, tão perto de mim. Mas era minha a dificuldade de acomodar as coisas dentro de mim. Sobrava sempre um pedaço...
 
Bartolomeu Campos Queirós. Por parte de pai.

Belo Horizonte: RHJ, 1995. Escrito, aos 46 anos.Bartolomeu Campos Queirós dedica seu livro Por parte de pai ao registro literário de suas recordações de menino. Portanto, um livro de memórias literárias. Como vimos nesse trecho do livro de Bartolomeu, é comum encontrar em textos de memórias literárias — o autor como personagem- narrador da história. Ele tomou como ponto de partida experiências que viveu quando criança, mas não se prendeu a elas. Ao recriar seu passado, procura transportar os leitores para o tempo e para o espaço onde ocorreram os acontecimentos narrados.

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